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Josias de Souza

Urnas dos EUA moldarão Presidência de Bolsonaro, seja qual for o resultado

Colunista do UOL

03/11/2020 04h40

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"Respeitaremos o resultado das urnas. Mas acredito piamente na reeleição de Donald Trump." A frase é de Jair Bolsonaro. Foi pronunciada nos jardins da Casa Branca, em março de 2019, na primeira visita do presidente brasileiro a Washington. Postado ao lado do visitante, numa entrevista conjunta, Trump interveio com um sorriso maroto nos lábios: "Muito obrigado, eu concordo."

Um ano e sete meses depois, às voltas com o risco de ser derrotado pelo rival Joe Biden, Trump ameaça questionar na Justiça o resultado das urnas. Mas Bolsonaro não se deu por achado. Na noite de segunda-feira, véspera do dia da eleição, ele continuava se comportando não como presidente do Brasil, mas como um apostador.

"Não tentei contato com o candidato Biden, tampouco pedi ao nosso embaixador para fazê-lo", escreveu Bolsonaro no Twitter. "Quanto às eleições, todos sabem do respeito que tenho pelos Estados Unidos, bem como do bom relacionamento com o presidente Trump." É como se o tuiteiro do Planalto dobrasse a aposta. Não é que Bolsonaro não tenha um Plano B. A questão é que ele considera desnecessário elaborar um plano de contingência.

Bolsonaro vive a ilusão de ter estabelecido um sólido relacionamento entre Brasil e Estados Unidos. Engano. Na verdade, ele firmou uma aliança pessoal com Trump, não uma parceria institucional com a maior potência do planeta. Brasília foi convertida numa espécie de Washington hipertrofiada. O resultado da disputa eleitoral americana, seja qual for, vai moldar os dois anos finais da Presidência de Bolsonaro.

Salvando-se Trump, Bolsonaro estufará o peito como uma segunda barriga e dará mão forte à ala apocalíptica do seu governo, personificada no chanceler Ernesto Araújo e no ministro das queimadas Ricardo Salles. Prevalecendo Biden, Bolsonaro terá de optar por um de dois caminhos: ou ignora a novidade, tentando se firmar como novo herói da resistência dos líderes populistas de direita que vicejam no mundo, ou troca a ideologia pelo pragmatismo, aproximando sua pauta conservadora da agenda de Biden.

Isso incluiria combater o aquecimento global, valorizar instituições como ONU e OMS, contemporizar com a ideologia de gênero e defender nos foros internacionais os direitos da comunidade LGBT. Ou seja: para manter de pé os seus planos de aprofundar a cooperação militar e firmar um amplo acordo comercial com os Estados Unidos, Bolsonaro teria de rever seus valores mais tradicionais.

Quando Joe Biden mencionou num debate a ideia de criar um fundo internacional de US$ 20 bilhões para ajudar o Brasil a preservar a floresta amazônica, sob pena de sofrer sanções comerciais, Bolsonaro fez pose de ofendido: "O Brasil mudou e não aceita subornos." Se perder a aposta que fez em Trump, o presidente brasileiro talvez prefira ladrilhar seu próprio caminho para o inferno a ter que dar o braço a torcer. O problema é que Bolsonaro não descerá às profundezas sozinho. Levará o Brasil junto.

No momento, a antidiplomacia brasileira coleciona desafetos na América Latina; já se indispôs com países europeus do porte de Alemanha, França e Noruega; e trata a China aos pontapés. Nesse ritmo, se perder a escora representada por Trump, o Brasil vai acabar realizando o sonho idealizado pelo chanceler Ernesto Araújo de se consolidar como um "pária" mundial. Bolsonaro olha para as urnas da Flórida e da Pensilvânia como se enxergasse nelas uma prévia de 2022.